
A fé sob a perspectiva da ciência: motivações para uma romaria na visão da psicologia
Psicólogas analisam as causas da viagem tradicional ao Santuário Nacional de Aparecida através do estudo do comportamento e dos processos mentais humanos
Por Miguel Santos

Romeiros em direção à Aparecida | Foto: Ana Patrícia Marinho
Anualmente, milhões de pessoas visitam o Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, casa da Padroeira do Brasil. Movido pela fé e por motivos particulares, muitos deles realizam verdadeiras peregrinações, percorrendo quilômetros a pé especialmente durante a época do 12 de outubro, feriado em homenagem à santa. Segundo a PRF (Polícia Rodoviária Federal), mais de 35 mil pessoas praticam romarias a pé todos os anos, e além da devoção, há diversos outros impulsos para este ato além da expressão de fé.
As psicólogas Jacqueline Moura e Nayara Baptistella oferecem um entendimento que apresentam um pouco dessas outras motivações. As profissionais compartilham visões que talvez fujam do senso comum: afinal, antes da espiritualidade e da religião, todos somos seres humanos.
Muitas pessoas se sentem atraídas por esta caminhada por outras razões, como a curiosidade de vivenciar essa tradição, o desejo de agradecer por bênçãos não necessariamente com fins religiosos, e, também, a busca por um autoconhecimento mais profundo. "Pois você se coloca em uma situação ali, de conhecer você mesmo, seu corpo, seu emocional e seu espiritual", destaca Jacqueline. Ela também aponta a ótica social que as romarias trazem, onde muitos se reúnem para realizar essa viagem juntos, e, assim, compartilharem experiências.
Demonstrações de fé são movimentos socioculturais muito tradicionais do Brasil, porém muitos riscos são encontrados nessa ação, como acidentes na estrada, chuvas, tempestades, entre outros. Em paralelo, Nayara apresenta um questiona se este ‘sacrifício’ é benéfico ou prejudicial. Para muitos, a fé é tão importante que ultrapassa os limites do corpo. “Dentro da psicanálise, a gente tem as pulsões de vida e as pulsões de morte, uma energia que existe dentro de mim para a construção ou destruição [...] Então até que ponto esses ‘sacrifícios’ são para um aspecto construtivo ou para um aspecto destrutivo? E tudo na vida pode ser para os dois”, diz a psicóloga.
Fé como esperança
Existem várias maneiras de demonstração de devoção, e a romaria é apenas uma dentre elas. É um conhecimento popular que a fé é algo que não se explica e sim que se sente. “A espiritualidade, a fé é algo muito íntimo, muito individual de cada um. [...] É algo inato do ser humano”, diz Jacqueline. A psicóloga também deixa claro que a fé não é está necessariamente ligada a religiosidade, e que ela é uma “esperança” que existe dentro dos seres humanos.
Além disso, as profissionais da saúde mental destacam o ponto onde a fé auxilia o ser humano em sua vida; “Muito disso para lidar com a angústia humana, a angústia da finitude [...] É uma busca de amparo para todo o desamparo original existencial que um ser humano tem, o desamparo existencial, pois a gente não sabe o que vai vir da vida”, expõe Nayara. Complementando este pensamento, Jacqueline fala sobre como a falta da fé pode alterar a vida da pessoa em relação a quem acredita em algo superior preparado para ela. “Sem ela [fé], a pessoa não tem nada para se segurar, ela não tem esse apoio”.
A espiritualidade pode ser um fator fundamental para uma boa saúde mental, mas Nayara explica que, dentro da atuação profissional, as psicólogas enquanto terapeutas não podem demonstrar um posicionamento religioso. Entretanto, Jacqueline e Nayara relatam experiências bem diferentes sobre o estudo religioso no período universitário. Jacqueline conta que em sua faculdade não existia o debate sobre religiosidade e que só começou a estudar mais sobre o tópico por conta própria, durante atuação profissional. Por outro lado, Nayara divide que, ao se graduar uma instituição católica, teve a oportunidade de aproveitar a disciplinas como Filosofia da Religião para aprender sobre o tema. As duas profissionais destacam a importância de pesquisas nesta área para entender e refletir acontecimentos como estes das peregrinações.
As romarias até Aparecida reúnem milhares de pessoas nas estradas do Brasil todos os anos, impulsionadas por sua fé, curiosidade e outros fatores, sempre muito particulares. Mesmo que inconsciente, a questão psicológica está profundamente conectada aos devotos que se dispõem a percorrer longas distâncias em busca de um propósito maior. Dessa forma, essas jornadas não são apenas trajetos físicos, mas também reflexões mentais individuais.